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terça-feira, 24 de novembro de 2009

Duas teses sobre a sustentabilidade global

Por: José Eli da Veiga* - Valor On-line!

A urgente necessidade de mecanismos que reduzam a imensa disparidade de capacidades tecnológicas entre o primeiro mundo e a semiperiferia foi muito bem enfatizada em vários relatórios de organizações internacionais dedicados à questão climática publicados em 2009. Mas nada permite supor que mudança de tão profundas implicações histórico-estruturais possa ocorrer no prazo requerido pela contenção do aquecimento global.

Então, no horizonte de tempo que autoriza cenários, a transição ao baixo carbono continuará essencialmente determinada pela execução dos planos que estão sendo estabelecidos por países que dispõem de alta capacitação tecnológica. Por enquanto é difícil imaginar quando os emergentes poderão sair da tremenda inferioridade em que se encontram. O que certamente fará com que entre eles a transição seja muito mais difícil e lenta.

Também é inevitável que essa disparidade leve os mais avançados a criar vários tipos de barreiras a importações de mercadorias produzidas em países que mantenham altas intensidades de emissões. No relatório elaborado em parceria com o Pnuma, a OMC já deixou claro que existem dispositivos que autorizam a criação de novas barreiras por países que tenham criado mecanismos econômicos de mitigação (como imposto ou "cap and trade"). Só será necessário que eles demonstrem que não se trata de "discriminação arbitrária ou injustificável", ou de uma "disfarçada restrição ao comércio internacional".

Nesse contexto, os fatos que mais permitem raciocinar sobre o rumo que poderá tomar a descarbonização são as iniciativas nacionais que já estão em curso em alguns países-chave do primeiro mundo. Particularmente na Inglaterra e na França.

O Reino Unido havia sido a primeira nação a legislar sobre a meta de cortar 80% das emissões até 2050 e a lançar a ideia de elaborar "orçamentos quinquenais de carbono" até 2022. Agora um plano estabelece o primeiro desses orçamentos com o objetivo de chegar em 2020 com emissões 18% inferiores às de 2008. O que significará um corte superior a um terço se a referência for 1990, pois já houve uma queda de 21%, praticamente o dobro da meta assumida no Protocolo de Kyoto.

Para que essa ambição fique mais clara, deve-se notar a mudança de velocidade pretendida. Nos 18 anos iniciais (1990-2008) a taxa média de redução dessa queda recorde foi de 1% ao ano. Agora se pretende que nos 11 anos seguintes (2009-2020) essa taxa média de redução passe a 1,4%. E o texto reafirma que o Reino Unido poderá até fazer mais do que isso se um acordo global vier a ser mais consistente que o Protocolo de Kyoto.
A França também tem um objetivo bem ambicioso para 2050: cortar 3/4 de suas emissões. Mas lá os debates públicos levaram a uma decisão bem diferente: a criação de uma Taxa Carbono, que em 2010 será de 17 euros por tonelada de CO2, incidindo sobre o consumo de combustíveis fósseis (não sobre a eletricidade). E com uma novidade muito importante: a arrecadação será inteiramente devolvida à população por deduções do imposto de renda, ou pelo envio de um "cheque verde" aos isentos.
O problema mais sério é que esse tipo de iniciativa, mesmo que se multipliquem, não garantirá efetiva redução da insustentabilidade global. Essa é a segunda principal tese do livro "Mundo em transe: do aquecimento global ao ecodesenvolvimento", que será lançado em 14 de dezembro com debate promovido pelo Instituto Ethos no teatro da Livraria Cultura do Conjunto Nacional.

..:: A primeira versa sobre questão muito mais atual: para o prosseguimento da transição ao baixo carbono, pouco importará o desfecho da cúpula de Copenhague.

A predisposição a se engajar nessa transição tem sido essencialmente determinada pela preocupação de cada nação com a sua própria segurança energética e pela confiança que pode ter em sua capacitação para aproveitar as oportunidades ligadas à próxima onda longa do desenvolvimento capitalista. Em processo cada vez menos influenciado pelos setores econômicos e segmentos sociais que serão prejudicados pelo encarecimento do uso de energias fósseis.

Algo que parece valer para todos, inclusive para os grandes emissores da semiperiferia, como é o caso do Brasil. No entanto, ao contrário do que ocorre nos países mais desenvolvidos, os emergentes não têm como confiar na geração própria das inovações necessárias à descarbonização de suas economias. Por isso, ainda tendem a encarar a transição mais como sacrifício ao seu crescimento econômico do que do que trunfo em novos mercados e novos negócios.

A ressalva é muito importante, pois dos 20 países que mais contribuíram em termos absolutos para o aumento de 60% das emissões globais de 1980 a 2006, entre 12 e 15 são emergentes, a depender de como se classifique os tigres Coreia do Sul, Taiwan e Cingapura. Somente cinco são indiscutivelmente do pequeno clube dos desenvolvidos: Estados Unidos, Japão, Austrália, Espanha e Canadá.

Por isso, o que mais influenciará o rumo da transição ao baixo carbono serão as vias que forem abertas aos países desse "segundo mundo" para que não fiquem na dependência de perversas transferências de tecnologia. Ao contrário, que possam se beneficiar de esquemas de cooperação na montagem de seus próprios sistemas de ciência, tecnologia e inovação.

A China tem mostrado muita clareza sobre essa prioridade em todas as negociações bilaterais, principalmente com os EUA. Certamente devido à sua imensa dependência do carvão e por precisar muito da energia nuclear, busca saídas mais pragmáticas para uma equação energética muito difícil de ser resolvida numa sociedade com economia que não pode crescer menos de 8% ao ano.

Ao contrário do Brasil, cuja evolução da atitude governamental só evidencia a ausência de uma estratégia nacional. Em grande parte resultante do comodismo induzido pela ideia de que possui uma das mais limpas matrizes energéticas do mundo. E também, é claro, pelas divergências entre os ministérios envolvidos que refletem clivagens existentes entre os segmentos mais organizados da sociedade civil.

* O autor é professor titular da USP (FEA e IRI), escreve mensalmente às terças. web: www.zeeli.pro.br

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